05 agosto, 2009

O livre-arbítrio é quântico?



"Deus não joga dados", afirmou Einstein em réplica à idéia de que o acaso e as leis da probabilidade eram a essência do mundo atômico. Não vejo problema algum com os dados. A teoria quântica se mantém desde então, com grande sucesso. Se o átomo é melhor descrito pela estatística porque é aleatório por natureza ou se por causa de uma limitação nos nossos instrumentos de medida, eis uma questão que até onde eu sabia ninguém tinha respondido. Ontem li a página de um estatístico que garantia que a aleatoriedade intrínseca do átomo havia sido demonstrada (embora eu não acredite que o tenha sido). Enfim, o que isso tem haver com o livre-arbítrio? Acontece que se todos os processos dinâmicos e interações da natureza forem descritos por leis precisas eu não consigo imaginar como existiria o livre-arbítrio (você consegue?). Como observou Laplace certa vez:

"Uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as forças de que a natureza está animada, e a situação respectiva dos seres que a compõem, se além disso fosse suficientemente vasta para submeter estes dados à análise, abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve átomo: nada seria incerto para ela, e o futuro, tal como o passado, estariam presentes a seus olhos."

Essa é a única maneira de saber o futuro? Não, tem outra:

"...para um ser hipotético que vivesse além do espaço e do tempo e contemplasse o espaço-tempo, a linha de universo de cada partícula estaria completamente desenhada, representando o movimento em sua totalidade (passado, presente e futuro). Em imagens simples, a inclusão do tempo na geometria do movimento transforma o filme do movimento numa fotografia estática de idêntico conteúdo." O Tempo na Física, Revista USP N.3, Henrique Fleming.


Suponhamos que o átomo seja realmente intrinsecamente aleatório. Como se daria o livre-arbítrio? Nossas escolhas dependeriam de um sorteio atômico interno? Minha hipótese é que em parte sim. Eu estava tentando imaginar como isso ocorreria quando me veio à mente que nossas várias possibilidades de escolha poderiam ser "sorteadas" na mente num tempo curtíssimo e submetidas à razão e à vontade para que estas decidam se a acatam ou não. Isso é perfeitamente plausível. Dependendo da eficiência do sorteio, todas as possibilidades podem ser pensadas e uma escolhida (a decisão de não escolher, lembremos, também é possível).

Uma segunda pergunta me ocorreu: será que parte de nossa "inteligência", a habilidade pensar em várias possibilidades e escolher a melhor, a correta, tem haver com a eficiência e velocidade com que nosso sistema cerebral é capaz de sortear possibilidades? Será que aquela idéia que veio do nada é explicada por um sorteio acertado e súbito nos átomos que compõe as sinapses dos neurônios? Me parece razoavelmente coerente. Se o livre-arbítrio e as idéias seguem uma lógica similar a esta, Deus pregou uma peça em todos nós. Ele vê o futuro porque está fora do tempo, nós (e o diabo) só podemos dar palpites de probabilidade (o diabo melhor que nós). Mas enfim, estou só especulando...

7 comentários:

José André disse...

Caro irmão, creio que na maioria das vezes em que físicos se dão ao luxo de discutir temas filosóficos e teológicos caem em algumas armadilhas como confundir livre-arbítrio com indeterminismo, ou de fazer uma salada mista entre mente, vontade, liberdade, determinismo, indeterminismo e outros temas controversos em filosofia. Você não se isenta desta confusão. Diante disto gostaria de indicar alguns autores que creio lhe auxiliarão nesta discussão, são eles: Platão, Agostinho, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Leibniz, Lutero, Calvino, Jonathan Edwards (Freedom of the Will), Spinosa, Hume, Freud, Jung, Gordon H. Clark, Cornelius Van Til, Greg Bahnsen, Alvin Platinga, R. K. McGregor Wright (No Place for Sovereignty), John Frame (Não há outro Deus), R. C. Sproul (Sola Gratia). Espero que a consulta a estes autores torne suas indagações mais pertinentes. Um grande abraço! Zé André...

José André disse...

Esqueci de citar, Karl Marx (Economia Nacional e Filosofia), Friedrich Wilheim Nietzsche (O Anticristo, Assim falou Zaratustra), Jean-Paul Satre (O ser e o nada) entre outros. Abraços...

Evanildo Júnior disse...

Obrigado Zé André, pelas dicas de leitura. Adicionarei à lista de espera. :)

José André disse...

Estou com saudades das suas especulações...

Evandro Costa de Oliveira disse...

Cara, Evanildo, agora que fui lembrar de algo que fiquei pendente de falar com você na ultima reunião do GEA.

Você já estudou um pouco sobre o coportamento estatistico do cérebro?

É simplesmente fantástico. Mas, quase que para tudo, nosso cérebro funciona estatisticamente. E quanto mais amostra, menor diminui o erro e a incerteza; logo, aumentando a acuracidade dos pensamentos. Até mesmo nossa visão funciona estatisticamente! Analisando probabilidades.

Talvez, tenha certa lógica o que você disse. Porém, eu já defendo o que é livre-arbitrio por uma outra lógica, e não a das possibilidades.
Estou descrevendo sobre isso no livro.

Evanildo Júnior disse...

É muito interessante você mencionar tudo isso Evandro. Curiosamente ontem mesmo eu peguei na biblioteca do IFUSP um livro chamado The Computer and the Brain, do matemático John Von Neumann (um dos matemáticos mais renomados do século XX!). Ele tenta traçar as analogias existentes entre o funcionamento do cérebro e do computador. Parece muito interessante! Nessas férias (2009-2010) li um livro muito bom também, se chama Mente e Cérebro: dez experiências impressionantes sobre o comportamento humano, da prof. Lauren Slater (Stanford University). Gostei bastante dele. Fora isso, posso observar o comportamento alheio e principalmente o meu próprio comportamento.

Como o livre-arbítrio realmente funciona é uma questão que vai demandar bastante esforço para responder. Minha opinião mais fundamental é que para ele funcionar números aleatórios reais devem existir da natureza. Concordo com você, tem muita estatística nisso tudo.

Me mande depois o que você escreveu.

Abraço!

Evanildo Júnior disse...

Nossa! As questões que você levantou são ótimas e difíceis. Será um prazer pensar sobre elas! Prometo apresentar uma tentativa de resposta -- caso eu as encontre -- em breve.