13 setembro, 2015

Conversa de Bar: os operadores quânticos


Zeca vira para Juquinha. "Juquinha, se cada pessoa for uma função de onda, como na mecânica quântica, quantos operadores eu preciso aplicar na pessoa para conhecê-la bem?" Juquinha tomou mais um gole de suco de maçã, pensou e respondeu "É evidente que você tem que começar por aqueles operadores que tem dão mais informações, então a pergunta a fazer a seguir é 'quais operadores te dão mais informações?'" "Sim, Juquinha, você está certo. Vejamos ... você poderia começar pelo operador 'tempo livre', que te informa o que a pessoa faz quando ela não é obrigada a fazer nada." "Gostei, esse é bom. Mas, estou pensando aqui. O operador 'história de vida' é fundamental ... " "Pera Juquinha! você não é terapêuta e não terá tempo de verificar a história de vida de ninguém, você tem que ser rápido." "Ok, operador 'livros preferidos' então Zeca!" "Mas e se a pessoa não gosta de ler?" "Ora, se ela não gosta de ler já não é essa uma informação valiosa?"
[...]

22 agosto, 2015

Aquele que não quiser parecer estúpido não entrará no Reino do Conhecimento





Participei recentemente de uma escola de verão na Universidade de Copenhague sobre a física e a química de energia solar. Tivemos  vários palestrantes em diferentes níveis de habilidade didática. Sempre ao final de uma palestra surgia a temida  (meta-)pergunta: "Alguém tem alguma pergunta?" Eu particularmente tinha várias, mas não ousei fazer a maioria delas por medo de parecer estúpido. Ou pior, me sentia estúpido por não ter entendido quase nada do que o palestrante falou e ser incapaz de elaborar uma pergunta! Então, inevitavelmente,  várias palestras acabaram embaraçosamente sem perguntas por parte dos estudantes. Colegas me confessaram sentimentos similares de hesitação, o que me levou a pensar na importância do componente social no aprendizado. Nem todo mundo teria a coragem (ou loucura) de reagir como o físico dinamarquês  Per Bak ao fim de palestra dizendo:


"Talvez eu seja a única pessoa maluca aqui, mas eu entendi ZERO -- eu quero dizer ZERO -- do que você disse!"

Não raramente, gênios são descritos como pessoas excêntricas, quebradores de convenções sociais. Na Física é fácil formular uma lista enorme dessa gente esquisita. Em seu livro 'O sr. está brincando, sr. Feynman!', o físico Richard Feynman relata como, ainda bem jovem e trabalhando no projeto da Bomba Atômica (Projeto Mahathan), foi convidado a discutir aspectos da mecânica quântica com Niels Bohr, um seus dos grandes fundadores. Ele recebeu com ceticismo o convite do filho do Niels Bohr para se juntar a eles nas discussões. Ao perguntar porque ele estava sendo convidado ao invés de físicos mais experientes que também estavam em Los Alamos recebeu como resposta que ele era o único que parecia ter coragem de discordar com Niels Bohr discutindo mecânica quântica.

Segundo o físico alemão Werner Heisenberg (citado pela The Economist, eu pessoalmente nunca vi esta citação num livro dele):


"Um especialista é alguém que sabe alguns dos piores erros que podem ser cometidos em sua área e que se organiza para evitá-los."


Advinhe quantos métodos existem para descobrir quais são os erros possíveis? Sim, 'quebrando a cara' é um deles.  Seria coincidência que 'genialidade' e excentricidade estão frequentemente associadas numa mesma pessoa? Eu não acho isso, essa gente tem mais disposição pra quebrar cara. O escritor americano Issac Asimov pensa o mesmo. (Se o nome Isaac Asimov não diz nada a você, não tem problemas. Você já assistiu aquele filme com o Will Smith chamado 'Eu, Robô"? Ou um outro com o Robin Willians chamado "O Homem Bicentenário"? Então, são filmes criados com base em livros do Isaac Asimov.) Recentemente encontraram  um artigo do Asimov intitulado "Como pessoas tem novas ideias?" No texto, Asimov descreve estratégias para ser criativo individualmente e em grupo. Porque eu sou legal eu vou fazer um resumo aqui (mas não tenha preguiça e leia lá depois):


Individualmente:


  • Não basta ter  um bom background num campo particular, é preciso saber ligar os pontos. E às vezes um ponto está no Rio de Janeiro e o outro em Marte. É preciso 'visão além do alcance', se você preferir.
  • É necessário ter razoável auto-confiança pra propor novas ideias. E segundo ele, essa qualidade normalmente vem acompanhada de certa excentricidade.


 Em grupo:


  • Os membros do grupo devem se sentir relaxados, livres de julgamento e reprovação. "O mundo em geral desaprova criatividade." 
  • As pessoas do grupo deveriam querer soar ridículas (foolish) e ver os outros parecerem ridículos (foolish). O clima deveria ser informal, 'jovial', com piadas e preferenciamente estar numa mesa de restaurante ou numa casa.  
  • Pode haver um número ótimo de membros no grupo, o Asimov chuta uns 5. O Einstein tinha sua 'academia Olympia', três caras que se reuniam até tarde da noite pra falar de literatura, filosofia, psicologia, física, matemática, ler obras clássicas juntos, e muito mais. 
  • Um único indivíduo no grupo com grande reputação ou mais articulado, com personalidade forte pode acabar neutralizando o resto do grupo. O Feynman, como disse, não tinha problemas com isso. Aliás, mesmo que esse indivíduo, e em geral principalmente, seja um defuntos. Defuntos como Aristóteles e Ptolomeu e seus modelos astronômicos. Mas não os culpo, não era culpa deles se as pessoas não eram céticas quando às suas ideias.
  • Alguém em cargo de organizar o bate-papo. 

Físicos como Niels Bohr e Levy Landau tiveram grande sucesso em criar grupos altamente criativos e produtivos. Bohr discutia de tudo com seus alunos, desde política, filosofia à técnicas para ser o pistoleiro mais rápido do Oeste. Bohr chegou a participar com seus alunos de uma peça teatral baseada no clássico alemão Fausto de Goethe [2], em que o tópico era claro, a novíssima mecânica quântica. Landau estimulava os todos os alunos a falarem nos seminários de grupo, tinha um diálogo aberto com eles (os que conseguiam entrar no grupo dele, claro) [3].

Esses exemplos indicam que a habilidade de um professor criar um bom ambiente é fundamental para o desenvolvimento do aprendizado e criatividade de seu grupo. Indica também que não rarametne está num grupo com o qual você não se sente confortável pode inibir o aprendizado.

A melhor maneira de encerrar esse texto é com uma citação de David Bohm em Sobre a Criatividade (ed. unesp):


"Algo que impede de dar a devida importância à percepção do que é novo e diferente é o medo de cometer erros. Desde bem pequena, uma pessoa é ensinada a manter a imagem de seu eu ou de seu ego como algo essencialmente perfeito. Cada erro parece revelar que quem o comete é um ser inferior, que, então, de alguma forma, não será completamente aceito pelos outros. Isso é lamentável, pois, como já se sabe, todo aprendizado envolve testar algo e ver oque acontece. Se o indivíduo não quiser até ter a certeza de que não mais cometerá erros ao agir, certamente deixará de aprender coisas novas. E esse é o provável estado em que a maioria das pessoas se encontra. Esse medo de cometer erros está aliado aos hábitos de percepção mecânica em termos de ideias preconcebidas e de aprender somente o necessário para objetivos específicos. Tudo isso se associa para criar uma pessoa que não percebe o novo e que é medíocre em vez de original."
  




Por Evanildo Lacerda Jr,
Físico (sem surpresas)

-----

[1] Mais fotos  informais do Einstein aqui.

[2] Se você ler um livrinho do prêmio Nobel George Gamov, chamado 'Thirty Years that Shook Physics - The Story of Quantum Theory' verá várias dessas histórias, além da peça que os estudantes compuseram!  Resenha que eu nem li aqui.

[3] Tem um livro intressantíssimo sobre o landau e também o seu bando chamado 'Landau: o sábio que morreu 4 vezes'. Recomendadíssimo! Alguns outros detalhes aqui (esse eu li).