Participei recentemente de uma escola de verão na Universidade de Copenhague sobre a física e a química de energia solar. Tivemos vários palestrantes em diferentes níveis de habilidade didática. Sempre ao final de uma palestra surgia a temida (meta-)pergunta: "Alguém tem alguma pergunta?" Eu particularmente tinha várias, mas não ousei fazer a maioria delas por medo de parecer estúpido. Ou pior, me sentia estúpido por não ter entendido quase nada do que o palestrante falou e ser incapaz de elaborar uma pergunta! Então, inevitavelmente, várias palestras acabaram embaraçosamente sem perguntas por parte dos estudantes. Colegas me confessaram sentimentos similares de hesitação, o que me levou a pensar na importância do componente social no aprendizado. Nem todo mundo teria a coragem (ou loucura) de reagir como o físico dinamarquês
Per Bak ao fim de palestra dizendo:
"Talvez eu seja a única pessoa maluca aqui, mas eu entendi ZERO -- eu quero dizer ZERO -- do que você disse!"
Não raramente, gênios são descritos como pessoas excêntricas, quebradores de convenções sociais. Na Física é fácil formular uma lista enorme dessa gente esquisita. Em seu livro 'O sr. está brincando, sr. Feynman!', o físico Richard Feynman relata como, ainda bem jovem e trabalhando no projeto da Bomba Atômica (Projeto Mahathan), foi convidado a discutir aspectos da mecânica quântica com Niels Bohr, um seus dos grandes fundadores. Ele recebeu com ceticismo o convite do filho do Niels Bohr para se juntar a eles nas discussões. Ao perguntar porque ele estava sendo convidado ao invés de físicos mais experientes que também estavam em Los Alamos recebeu como resposta que ele era o único que parecia ter coragem de discordar com Niels Bohr discutindo mecânica quântica.
Segundo o físico alemão Werner Heisenberg (citado pela The Economist, eu pessoalmente nunca vi esta citação num livro dele):
"Um especialista é alguém que sabe alguns dos piores erros que podem ser cometidos em sua área e que se organiza para evitá-los."
Advinhe quantos métodos existem para descobrir quais são os erros possíveis? Sim, 'quebrando a cara' é um deles. Seria coincidência que 'genialidade' e excentricidade estão frequentemente associadas numa mesma pessoa? Eu não acho isso, essa gente tem mais disposição pra quebrar cara. O escritor americano Issac Asimov pensa o mesmo. (Se o nome Isaac Asimov não diz nada a você, não tem problemas. Você já assistiu aquele filme com o Will Smith chamado 'Eu, Robô"? Ou um outro com o Robin Willians chamado "O Homem Bicentenário"? Então, são filmes criados com base em livros do
Isaac Asimov.) Recentemente encontraram um artigo do Asimov intitulado "
Como pessoas tem novas ideias?" No texto, Asimov descreve estratégias para ser criativo individualmente e em grupo. Porque eu sou legal eu vou fazer um resumo aqui (mas não tenha preguiça e leia lá depois):
Individualmente:
- Não basta ter um bom background num campo particular, é preciso saber ligar os pontos. E às vezes um ponto está no Rio de Janeiro e o outro em Marte. É preciso 'visão além do alcance', se você preferir.
- É necessário ter razoável auto-confiança pra propor novas ideias. E segundo ele, essa qualidade normalmente vem acompanhada de certa excentricidade.
Em grupo:
- Os membros do grupo devem se sentir relaxados, livres de julgamento e reprovação. "O mundo em geral desaprova criatividade."
- As pessoas do grupo deveriam querer soar ridículas (foolish) e ver os outros parecerem ridículos (foolish). O clima deveria ser informal, 'jovial', com piadas e preferenciamente estar numa mesa de restaurante ou numa casa.
- Pode haver um número ótimo de membros no grupo, o Asimov chuta uns 5. O Einstein tinha sua 'academia Olympia', três caras que se reuniam até tarde da noite pra falar de literatura, filosofia, psicologia, física, matemática, ler obras clássicas juntos, e muito mais.
- Um único indivíduo no grupo com grande reputação ou mais articulado, com personalidade forte pode acabar neutralizando o resto do grupo. O Feynman, como disse, não tinha problemas com isso. Aliás, mesmo que esse indivíduo, e em geral principalmente, seja um defuntos. Defuntos como Aristóteles e Ptolomeu e seus modelos astronômicos. Mas não os culpo, não era culpa deles se as pessoas não eram céticas quando às suas ideias.
- Alguém em cargo de organizar o bate-papo.
Físicos como Niels Bohr e Levy Landau tiveram grande sucesso em criar grupos altamente criativos e produtivos. Bohr discutia de tudo com seus alunos, desde política, filosofia à técnicas para ser o pistoleiro mais rápido do Oeste. Bohr chegou a participar com seus alunos de uma peça teatral baseada no clássico alemão
Fausto de Goethe [2], em que o tópico era claro, a novíssima mecânica quântica. Landau estimulava os todos os alunos a falarem nos seminários de grupo, tinha um diálogo aberto com eles (os que conseguiam entrar no grupo dele, claro) [3].
Esses exemplos indicam que a habilidade de um professor criar um bom ambiente é fundamental para o desenvolvimento do aprendizado e criatividade de seu grupo. Indica também que não rarametne está num grupo com o qual você não se sente confortável pode inibir o aprendizado.
A melhor maneira de encerrar esse texto é com uma citação de David Bohm em
Sobre a Criatividade (ed. unesp):
"Algo
que impede de dar a devida importância à percepção do que é novo e
diferente é o medo de cometer erros. Desde bem pequena, uma pessoa é
ensinada a manter a imagem de seu eu ou de seu ego como algo
essencialmente perfeito. Cada erro parece revelar que quem o comete é um
ser inferior, que, então, de alguma forma, não será completamente
aceito pelos outros. Isso é lamentável, pois, como já se sabe,
todo aprendizado envolve testar algo e ver oque acontece. Se o
indivíduo não quiser até ter a certeza de que não mais cometerá erros ao
agir, certamente deixará de aprender coisas novas. E esse é o provável
estado em que a maioria das pessoas se encontra. Esse medo de cometer
erros está aliado aos hábitos de percepção mecânica em termos de ideias
preconcebidas e de aprender somente o necessário para objetivos
específicos. Tudo isso se associa para criar uma pessoa que não percebe o
novo e que é medíocre em vez de original."
Por Evanildo Lacerda Jr,
Físico (sem surpresas)
-----
[1] Mais fotos informais do Einstein
aqui.
[2] Se você ler um livrinho do prêmio Nobel George Gamov, chamado 'Thirty Years that Shook Physics - The Story of Quantum Theory' verá várias dessas histórias, além da peça que os estudantes compuseram! Resenha que eu nem li
aqui.
[3] Tem um livro intressantíssimo sobre o landau e também o seu bando chamado 'Landau: o sábio que morreu 4 vezes'. Recomendadíssimo! Alguns outros detalhes
aqui (esse eu li).