"Seria um enorme erro confundir o especialista com o homem culto. O especialista sabe muito de uma coisa e geralmente ignora todas as outras. O homem culto é um homem que não se deixa confinar pela especialidade, rompe e busca justamente a comunicação através das diferenças, as enormes diferenças que constituem a comunidade humana." Mario Vargas Llosa
"A human being should be able to change a diaper, plan an invasion, butcher a hog, conn a ship, design a building, write a sonnet, balance accounts, build a wall, set a bone, comfort the dying, take orders, give orders, cooperate, act alone, solve equations, analyze a new problem, pitch manure, program a computer, cook a tasty meal, fight efficiently, die gallantly. Specialization is for insects." Robert A. Heinlein
Assombra o volume de conhecimento produzido pelo homem. Para exemplificar, a parte escrita em inglês da enciclopédia online Wikipédia até Outubro de 2013 continha mais de 4 milhões de artigos (4.378.997), totalizando cerca de 20 mil gigabytes de informação (ou 20 TB). Colocando todos esses artigos em volumes como os da Enciclopédia Britânica precisaríamos de quase 2 mil volumes (1.938). Empilhados, teríamos 97 metros de altura em livros (cada volume com 5cm de altura, na horizontal), o equivalente a um prédio de 32 andares, ou, mais metade da altura do Edifício do Banespa, em São Paulo.
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Edifício Altino Arantes (também conhecido como Edifício do Banespa ou Banespão), São Paulo/SP. |
Contudo, se nossa edificação do saber sobe aos céus, ela traz consigo uma aparente maldição divina, o efeito Babel. Os homens mais que nunca, e inevitavelmente, falam línguas distintas, entre elas o matematiquês, politiquês, quimiquês, psicologiquês ... e pouco se entendem. Parecem condenados à segregação, dispersos pelas terras do conhecimento devido a barreira da língua. Nesta altura da História cabe-nos perguntar: quais as consequências dessa segregação para a construção do conhecimento?
Lendo um prefácio de livro, me deparei com a confissão de um historiador que sentia na pele o peso da segregação:
"O leitor dessas páginas não deve ter a esperança de encontrar uma justificação pormenorizada de todas as palavras usadas . No exame dos problemas gerais da cultura, somos constantemente obrigados a efetuar incursões predatórias em regiões que o atacante ainda não explorou suficientemente. Estava fora de questão, pra mim, preencher previamente todas as lacunas de meus conhecimentos. Tinha que escolher entre escrever agora ou nunca mais; e optei pela primeira solução." (Johan Huizinga, em Homo Ludens, 1938)
Fiquei muito feliz por ele ter optado pela primeira solução, o livro ele é esplêndido. Mas e se ele não optasse por essa solução? E se, assustado por fazer incursões em regiões que não conhecia bem, ele deixasse na gaveta uma brilhante ideia? Nós é que perderíamos. Porém, quanto já não perdemos em outras ideias que são abandonadas devido a grandeza do empreendimento em oposição à brevidade da vida e à urgência de outras demandas? Indo além, quantas ideias deixam de florescer porque é necessário que o solo da mente seja adubado por conhecimentos de diferentes áreas?
"Só sei que nada sei", teria dito Sócrates ao refletir sobre a profundidade da própria ignorância. Não se engane, Sócrates teve que aprender muita coisa para sentir o real peso dessa conclusão. Ele foi um dos gregos que construíram os fundamentos da filosofia ocidental. Os gregos também nos deram o impressionante Aristóteles, cuja produção cobriu os campos da filosofia, política, ética, biologia, astronomia, crítica literária, retórica e lógica formal. Pessoas de interesse intelectual de tal amplitude são conhecidas como polímatas, ou também homens renascentistas. O Renascimento foi um movimento cultural iniciado na Itália no século XIV que se espalhou pela Europa. De um homem renascentista esperava-se, por exemplo, o domínio de várias línguas e que tivesse uma ampla educação em ciência, teologia e filosofia. Em O Livro do Cortesão (1528), Baldassare Castiglione propõe uma educação com características de um homem da Renascença, em que o cortesão deveria ter uma postura calma e agradável, saber cantar, escrever poemas, tocar diferentes instrumentos, ser atlético, conhecer as ciências humanas e os clássicos, pintar e desenhar, além de saber se defender com uma espada.
Podemos tomar Leonardo Da Vinci como um modelo de homem renascentista. Além de pintor, ele desenvolveu pesquisas em anatomia, biologia, matemática e engenharia, desenhando projetos que nos remetem aos submarinos e helicópteros de hoje.
Posso citar meu físico favorito (sem duplo sentido) Richard Feynmann como um exemplo de polímata moderno. Feynman ajudou no desenvolvimento da bomba atômica (o que fizeram com ela é outra história), expandiu a compreensão da eletrodinâmica quântica e por isso ganhou o prêmio Nobel em 1965 (prêmio que ele se referiu como "o segundo erro de Alfred Nobel"), traduziu hieroglifos maias, e também era pintor e músico.
Sem titubear, ser um polímata nos tempos atuais parece ser para poucos. Mas até onde podemos ir? O que ganhamos com essa busca não compensa o empreendimento? Em sua obra A Arte da Vida, escreveu o sociólogo Zygmunt Bauman:
Quando perguntado sobre o objetivo da vida, para que deveriam viver os homens, o famoso historiador Arnold Toynbee respondeu com três verbos: compreender, criar e amar (em A Sociedade do Futuro).
Dentro de um ideal neo-renascentista, eu pessoalmente gostaria muito de ter uma mente que captasse a essência do movimento do mundo natural em três simples leis como fez Isaac Newton, e que se necessário inventasse uma nova matemática para só resolver meus próprios problemas. Simultaneamente gostaria de escrever com a sagacidade de um Machado de Assis, construir mundos como Aldous Huxley, ter uma visão ampla da História como um Arnold Toynbee, um Jacques Barzun, conhecer os fundamentos da Bioquímica e da Genética, estar a par das raízes do comportamento humano, seus condicionamentos e os efeitos do meio nesse comportamento. Queria ser capaz de propor tratados sociais que resolvessem o problema da humanidade em maximizar a experiência de sua existência, proporcionando bem-estar coletivo ótimo ao mesmo tempo que toda a potencialidade humana fosse explorada. Isso pra citar só alguns desses sonhos intelectuais. A questão aqui não é sobre a possibilidade de realizar esses sonhos, mas sobre o que se ganha em ambicionar e trabalhar com tais objetivos.
"Só sei que nada sei", teria dito Sócrates ao refletir sobre a profundidade da própria ignorância. Não se engane, Sócrates teve que aprender muita coisa para sentir o real peso dessa conclusão. Ele foi um dos gregos que construíram os fundamentos da filosofia ocidental. Os gregos também nos deram o impressionante Aristóteles, cuja produção cobriu os campos da filosofia, política, ética, biologia, astronomia, crítica literária, retórica e lógica formal. Pessoas de interesse intelectual de tal amplitude são conhecidas como polímatas, ou também homens renascentistas. O Renascimento foi um movimento cultural iniciado na Itália no século XIV que se espalhou pela Europa. De um homem renascentista esperava-se, por exemplo, o domínio de várias línguas e que tivesse uma ampla educação em ciência, teologia e filosofia. Em O Livro do Cortesão (1528), Baldassare Castiglione propõe uma educação com características de um homem da Renascença, em que o cortesão deveria ter uma postura calma e agradável, saber cantar, escrever poemas, tocar diferentes instrumentos, ser atlético, conhecer as ciências humanas e os clássicos, pintar e desenhar, além de saber se defender com uma espada.
Podemos tomar Leonardo Da Vinci como um modelo de homem renascentista. Além de pintor, ele desenvolveu pesquisas em anatomia, biologia, matemática e engenharia, desenhando projetos que nos remetem aos submarinos e helicópteros de hoje.
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Acima um precursor do helicóptero, abaixo um experimento sobre o poder de uma asa. Fonte: aqui. |
Posso citar meu físico favorito (sem duplo sentido) Richard Feynmann como um exemplo de polímata moderno. Feynman ajudou no desenvolvimento da bomba atômica (o que fizeram com ela é outra história), expandiu a compreensão da eletrodinâmica quântica e por isso ganhou o prêmio Nobel em 1965 (prêmio que ele se referiu como "o segundo erro de Alfred Nobel"), traduziu hieroglifos maias, e também era pintor e músico.
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Richard Feynman. Veja-o tocando aqui. |
Sem titubear, ser um polímata nos tempos atuais parece ser para poucos. Mas até onde podemos ir? O que ganhamos com essa busca não compensa o empreendimento? Em sua obra A Arte da Vida, escreveu o sociólogo Zygmunt Bauman:
"Nossas vidas, quer o saibamos ou não e quer o saudemos ou lamentamos, são obras de arte. Para viver como exige a arte da vida, devemos, tal como qualquer outro tipo de artista, estabelecer desafios que são (pelo menos no momento em que estabelecidos) difíceis de confrontar diretamente; devemos escolher alvos que estão (ao menos no momento da escolha) muito além de nosso alcance, e padrões de excelência que, de modo perturbador, parecem permanecer teimosamente muito acima de nossa capacidade (pelo menos a já atingida) de harmonizar com o que quer que estejamos ou possamos estar fazendo. Precisamos tentar o impossível. E, sem o apoio de um prognóstico favorável fidedigno (que dirá certeza), só podemos esperar que, com longo e penoso esforço, sejamos capazes de algum dia alcançar esses padrões e atingir esses alvos, e assim mostrar que estamos à altura do desafio."
Quando perguntado sobre o objetivo da vida, para que deveriam viver os homens, o famoso historiador Arnold Toynbee respondeu com três verbos: compreender, criar e amar (em A Sociedade do Futuro).
Dentro de um ideal neo-renascentista, eu pessoalmente gostaria muito de ter uma mente que captasse a essência do movimento do mundo natural em três simples leis como fez Isaac Newton, e que se necessário inventasse uma nova matemática para só resolver meus próprios problemas. Simultaneamente gostaria de escrever com a sagacidade de um Machado de Assis, construir mundos como Aldous Huxley, ter uma visão ampla da História como um Arnold Toynbee, um Jacques Barzun, conhecer os fundamentos da Bioquímica e da Genética, estar a par das raízes do comportamento humano, seus condicionamentos e os efeitos do meio nesse comportamento. Queria ser capaz de propor tratados sociais que resolvessem o problema da humanidade em maximizar a experiência de sua existência, proporcionando bem-estar coletivo ótimo ao mesmo tempo que toda a potencialidade humana fosse explorada. Isso pra citar só alguns desses sonhos intelectuais. A questão aqui não é sobre a possibilidade de realizar esses sonhos, mas sobre o que se ganha em ambicionar e trabalhar com tais objetivos.
Tomás de Aquino talvez tenha, em sua sede de saber, entrado em contato com todo o conhecimento disponível de seu tempo. Hoje tal façanha é impossível. Parece impossível mesmo que alguém domine todo o conhecimento de sua área. Entre físicos riríamos de quem dissesse dominar todo conhecimento de Física produzido até hoje e o conduziríamos ao hospício mais próximo.
Tenho amigos que escolheram se especializar em diferentes áreas do saber: Biologia, Medicina, Química, Estatística, Informática, História, Ciências Políticas, Literatura, Linguística ... e claro, lamentavelmente a comunicação entre nós é sempre limitada. Já me angustia que nenhum de nós tenha noção das respostas que cada ramo do conhecimento tenha para diversas perguntas, contudo, ainda mais angustiante é não termos noção das perguntas que o outro faz em sua área. É evidente que uma educação fragmentada tem destruído a curiosidade de inúmeras pessoas que olham para o amigo e pensam "não é da minha área". Mas o universo é da nossa área.

Mais que nunca, não seria urgente ambicionar a construção de novos Aristóteles? Pessoas que nos impeçam de nos prender em alguns fios da teia do conhecimento, e que nos apresente a beleza do todo?
Mas como se constrói um moderno Aristóteles, ou um neo-renascentista? Não sei em que medida esse empreendimento é possível, mas é meu interesse pessoal descobrir.