12 novembro, 2013

Neo-Renascentismo

"Seria um enorme erro confundir o especialista com o homem culto. O especialista sabe muito de uma coisa e geralmente ignora todas as outras. O homem culto é um homem que não se deixa confinar pela especialidade, rompe e busca justamente a comunicação através das diferenças, as enormes diferenças que constituem a comunidade humana." Mario Vargas Llosa
"A human being should be able to change a diaper, plan an invasion, butcher a hog, conn a ship, design a building, write a sonnet, balance accounts, build a wall, set a bone, comfort the dying, take orders, give orders, cooperate, act alone, solve equations, analyze a new problem, pitch manure, program a computer, cook a tasty meal, fight efficiently, die gallantly. Specialization is for insects." Robert A. Heinlein

Assombra o volume de conhecimento produzido pelo homem. Para exemplificar, a parte escrita em inglês da enciclopédia online Wikipédia até Outubro de 2013 continha mais de 4 milhões de artigos (4.378.997), totalizando cerca de 20 mil gigabytes de informação (ou 20 TB). Colocando todos esses artigos em volumes como os da Enciclopédia Britânica precisaríamos de quase 2 mil volumes (1.938). Empilhados, teríamos 97 metros de altura em livros (cada volume com 5cm de altura, na horizontal), o equivalente  a um prédio de 32 andares,  ou, mais  metade da altura do Edifício do Banespa, em São Paulo.

Edifício Altino Arantes (também conhecido como Edifício do Banespa ou Banespão),
São Paulo/SP.

Contudo, se nossa edificação do saber  sobe aos céus, ela traz consigo uma aparente maldição divina, o efeito Babel.  Os homens mais que nunca, e inevitavelmente, falam línguas distintas, entre elas o matematiquês, politiquês, quimiquês, psicologiquês ... e pouco se entendem. Parecem condenados à segregação, dispersos pelas terras do conhecimento devido a barreira da língua. Nesta altura da História cabe-nos perguntar: quais as consequências dessa segregação para a construção do conhecimento?





Lendo um prefácio de livro, me deparei com a confissão de um historiador que sentia na pele o peso da segregação:

"O leitor dessas páginas não deve ter a esperança de encontrar uma justificação pormenorizada de todas as palavras usadas . No exame dos problemas gerais da cultura, somos constantemente obrigados a efetuar incursões predatórias em regiões que o atacante ainda não explorou suficientemente. Estava fora de questão, pra mim, preencher previamente todas as lacunas de meus conhecimentos. Tinha que escolher entre escrever agora ou nunca mais; e optei pela primeira solução." (Johan Huizinga, em Homo Ludens, 1938)
Fiquei muito feliz por ele ter optado pela primeira solução, o livro ele é esplêndido. Mas e se ele não optasse por essa solução? E se, assustado por fazer incursões em regiões que  não conhecia bem, ele deixasse na gaveta uma brilhante ideia? Nós é que perderíamos. Porém, quanto já não perdemos em outras ideias que são abandonadas devido a grandeza do empreendimento em oposição à brevidade da vida e à urgência de outras demandas? Indo além, quantas ideias deixam de florescer porque é necessário que o solo da mente seja adubado por conhecimentos de diferentes áreas?

"Só sei que nada sei", teria dito Sócrates ao refletir sobre a profundidade da própria ignorância. Não se engane, Sócrates teve que aprender muita coisa para sentir o real peso dessa conclusão. Ele foi um dos gregos  que construíram os fundamentos da filosofia ocidental. Os gregos também nos deram o impressionante Aristóteles, cuja produção cobriu os campos da filosofia, política, ética, biologia, astronomia, crítica literária, retórica e lógica formal. Pessoas de interesse intelectual de tal amplitude são conhecidas como polímatas, ou também homens renascentistas. O Renascimento foi um movimento cultural  iniciado na Itália no século XIV que se espalhou pela Europa. De um homem renascentista esperava-se, por exemplo, o domínio de várias línguas e que tivesse uma ampla educação em ciência, teologia e filosofia. Em O Livro do Cortesão (1528), Baldassare Castiglione propõe  uma educação com características de um homem da Renascença, em que o cortesão deveria ter uma postura calma e agradável, saber cantar, escrever poemas, tocar diferentes instrumentos, ser atlético, conhecer as ciências humanas e os clássicos, pintar e desenhar, além de saber se defender com uma espada.

Podemos tomar Leonardo Da Vinci como um modelo de homem renascentista. Além de pintor, ele desenvolveu pesquisas em anatomia, biologia, matemática e engenharia, desenhando projetos que nos remetem aos submarinos e helicópteros de hoje.

Acima um precursor do helicóptero,
abaixo um experimento sobre o poder de uma asa. Fonte: aqui.

Posso citar meu físico favorito (sem duplo sentido) Richard Feynmann como um exemplo de polímata moderno. Feynman ajudou no desenvolvimento da bomba atômica (o que fizeram com ela é outra história), expandiu a compreensão da eletrodinâmica quântica e por isso ganhou o prêmio Nobel em 1965 (prêmio que ele se referiu como "o segundo erro de Alfred Nobel"), traduziu hieroglifos maias, e também era pintor e músico.

Richard Feynman. Veja-o tocando aqui.


Sem titubear, ser um polímata nos tempos atuais parece ser para poucos. Mas até onde podemos ir? O que ganhamos com essa busca não compensa o empreendimento? Em sua obra A Arte da Vida, escreveu o sociólogo Zygmunt Bauman:

"Nossas vidas, quer o saibamos ou não e quer o saudemos ou lamentamos, são obras de arte. Para viver como exige a arte da vida, devemos, tal como qualquer outro tipo de artista, estabelecer desafios que são (pelo menos no momento em que estabelecidos) difíceis de confrontar diretamente; devemos escolher alvos que estão (ao menos no momento da escolha) muito além de nosso alcance, e padrões de excelência que, de modo perturbador, parecem permanecer teimosamente muito acima de nossa capacidade (pelo menos a já atingida) de harmonizar com o que quer que estejamos ou possamos estar fazendo. Precisamos tentar o impossível. E, sem o apoio de um prognóstico favorável fidedigno (que dirá certeza), só podemos esperar que, com longo e penoso esforço, sejamos capazes de algum dia alcançar esses padrões e atingir esses alvos, e assim mostrar que estamos à altura do desafio." 

Quando perguntado sobre o objetivo da vida, para que deveriam viver os homens, o   famoso historiador Arnold Toynbee respondeu com três verbos: compreender, criar e amar (em A Sociedade do Futuro).


Dentro de um ideal neo-renascentista, eu pessoalmente gostaria muito de ter uma mente que captasse a essência do movimento do mundo natural em três simples leis como fez Isaac Newton,  e que se necessário inventasse uma nova matemática para só resolver meus próprios problemas. Simultaneamente gostaria de escrever com a sagacidade de um Machado de Assis, construir mundos como Aldous Huxley,  ter uma visão ampla da História como um Arnold Toynbee, um Jacques Barzun,  conhecer os fundamentos da Bioquímica e da Genética, estar a par das raízes do comportamento humano, seus condicionamentos e os efeitos do meio nesse comportamento. Queria ser capaz de propor tratados sociais que resolvessem o problema da humanidade em maximizar a experiência de sua existência, proporcionando bem-estar coletivo ótimo ao mesmo tempo que toda a potencialidade humana fosse explorada. Isso pra citar só alguns desses sonhos intelectuais. A questão aqui não é sobre a possibilidade de realizar esses sonhos, mas sobre o que se ganha em ambicionar e trabalhar com tais objetivos.

Tomás de Aquino talvez tenha, em sua sede de saber, entrado em contato com todo o conhecimento disponível de seu tempo.  Hoje tal façanha é impossível. Parece impossível mesmo que alguém domine todo o conhecimento de sua área. Entre físicos riríamos de quem dissesse dominar todo conhecimento de Física produzido até hoje e o conduziríamos ao hospício mais próximo. 

Tenho amigos que escolheram se especializar em diferentes áreas do saber: Biologia, Medicina, Química, Estatística, Informática, História, Ciências Políticas, Literatura, Linguística ... e claro, lamentavelmente a comunicação entre nós é sempre limitada. Já me angustia que nenhum de nós tenha noção das respostas que cada ramo do conhecimento tenha para diversas perguntas, contudo, ainda mais angustiante é não termos noção das perguntas que o outro faz em sua área. É evidente que uma educação fragmentada tem destruído a curiosidade  de inúmeras pessoas que olham para o amigo e pensam "não é da minha área". Mas o universo é da nossa área.  

Outro dia invejei  o conquistador grego Alexandre e desejei  ter  meu próprio Aristóteles como tutor. Meu Aristóteles, tal como o original,  deveria ser um homem inteligente e culto, profundamente curioso, que tivesse mergulhado no oceano dos conhecimentos atuais, navegando pelos mares da Filosofia, das Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Com toda a bagagem obtida, meu Aristóteles  do século XXI estaria plenamente apto a me guiar. Ele indicaria as perguntas mais importantes que eu deveria fazer, os livros que deveria ler primeiro e me ajudaria a edificar uma plataforma fundamental de conhecimentos tal que eu fosse capaz de prosseguir, de modo autônomo, com minha própria educação. 

Mais que nunca, não seria urgente ambicionar a construção de novos Aristóteles? Pessoas que nos impeçam de nos prender em alguns fios da teia do conhecimento, e que nos apresente a beleza do todo?  

Mas como se constrói um moderno Aristóteles, ou um neo-renascentista? Não sei em que medida esse empreendimento é possível, mas é meu interesse pessoal descobrir.

11 julho, 2013

Nikola Tesla



Li recentemente uma autobiografia de Nikola Tesla, Minhas Invenções, da editora Unesp, que disponibilizou uma ótima sinopse. Vi então que o Tesla foi uma das maiores mentes inventivas que viveu sobre a Terra. Nikola Tesla "realizou pesquisas notáveis acerca de eletricidade de alta tensão e da comunicação sem fio; em certo momento criou um terremoto que abalou o solo a várias milhas do seu laboratório de pesquisa em Nova York".

Algumas citações favoritas que pincei de seu texto, mostram seu amor pelo trabalho criativo:

"Durante algo tempo, entreguei-me completamente ao intenso prazer de imaginar máquinas e inventar novas formas. Foi talvez o estado mental de maior felicidade por que passei na vida. [...]

"Quando uma inclinação natural se transforma em um desejo apaixonado, avançamos para o objetivo com botas de sete léguas." 

A importância que ele dava à introspecção:

"A pressão do trabalho e o constante fluxo de informações que afluem à nossa consciência por todas as portas de entrada do conhecimento tornam a vida moderna perigosa sob diversos aspectos. A maioria das pessoas está tão absorta na contemplação do mundo exterior que nem se dá conta do que se passa no seu interior"
Abaixo uma apresentação no TED que homenageia e resume a vida desse homem extraordinário.


21 maio, 2013

Schopenhauer em defesa da clareza

Você pegou um livro que prometia ser fantástico mas era horrível de ler porque o seu autor não era claro? Schopenhauer certamente pegou em livros assim e não poupou os escritores indigeríveis, atacando-os veementemente. As citações a seguir se encontram na obra Sobre o ofício do escritor (ed. Martins Fontes), mesma obra anteriormente citada num post sobre leitura.

"Quem tem algo que valha a pena ser dito não precisa escondê-lo por trás de de preciosismos, frases difíceis e alusões obscuras; pode muito bem enunciá-lo de modo simples claro e ingênuo e estar certo de que suas palavras não perderam o efeito." 

"Portanto a primeria regra do bom estilo por si só já é quase suficiente, é a de ter algo a dizer: oh, com ela se vai longe!"

"Deve-se usar palavras comuns e dizer coisas incomuns, mas eles fazem o contrário." 

"Como Fichte, Scheling e Hegel, querem parecer saber o que não sabem , pensar o que não pensam e dizer o que não dizem."

E finalizando:
"A verdade nua é belíssima, e a impressão que causa é tanto mais profunda quanto mais simples é sua expressão; em parte porque, nesse caso, ela ocupa sem dificuldades a alma do ouvinte, que não é distraído por nenhum pensamento secundário; em parte porque ele sente que não foi corrompido o iludido por nenhum artifício retórico, e que o efeito inteiro advém do assunto em si." 


26 março, 2013

Como Vencer Uma Discussão Sem Ter Razão

Sempre se pode presenciar pessoas ganhando discussões aos olhos da platéia sem ter nenhuma -- ou pouquíssima -- razão ao seu lado.

Cansado disso acontecer com seus alunos em debates públicos com os alunos da escola filosófica de Hegel, Schopenhauer redigiu um alerta, com 38 estratégias que se pode usar pra vencer uma discussão sem ter razão. Por exemplo:

 "Nº 1. Leve a proposição do seu oponente além dos seus limites naturais; exagere-a. Quanto mais geral a declaração do seu oponente se torna, mais objeções você pode encontrar contra ela. Quanto mais restritas as suas próprias proposições permanecem, mais fáceis elas são de defender."

 "Nº 2. Use significados diferentes das palavras do seu oponente para refutar a argumentação dele. Exemplo: a pessoa A diz: 'Você não entende os mistérios da filosofia de Kant'. A pessoa B replica: 'Ah, se é de mistérios que estamos falando, não tenho como participar dessa conversa'”.

 Acho que todos deveriam conhecer esses subterfúgios para não caírem nas mesmas ciladas.

 Conheça um resumo de todas elas aqui.

07 março, 2013

A melhor citação sobre a leitura de todos os tempos

A melhor descrição do que a leitura significa na vida.

"Reading is everything. Reading makes me feel like I’ve accomplished something, learned something, become a better person. Reading makes me smarter. Reading gives me something to talk about later on. Reading is the unbelievably healthy way my attention deficit disorder medicates itself. Reading is escape, and the opposite of escape; it’s a way to make contact with reality after a day of making things up, and it’s a way of making contact with someone else’s imagination after a day that’s all too real. Reading is grist. Reading is bliss." Nora Ephron (via Brain Pickings)