"Deus não joga dados", afirmou Einstein em réplica à idéia de que o acaso e as leis da probabilidade eram a
essência do mundo atômico. Não vejo problema algum com os dados. A teoria quântica se mantém desde então, com grande sucesso. Se o átomo é melhor descrito pela estatística porque é aleatório por natureza ou se por causa de uma limitação nos nossos instrumentos de medida, eis uma questão que até onde eu sabia ninguém tinha respondido. Ontem li
a página de um estatístico que garantia que a aleatoriedade intrínseca do átomo havia sido demonstrada (embora eu não acredite que o tenha sido). Enfim, o que isso tem haver com o livre-arbítrio? Acontece que se todos os processos dinâmicos e interações da natureza forem descritos por leis precisas eu não consigo imaginar como existiria o livre-arbítrio (você consegue?). Como observou Laplace certa vez:
"Uma inteligência que, num dado instante, conhecesse todas as forças de que a natureza está animada, e a situação respectiva dos seres que a compõem, se além disso fosse suficientemente vasta para submeter estes dados à análise, abarcaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do mais leve átomo: nada seria incerto para ela, e o futuro, tal como o passado, estariam presentes a seus olhos."
Essa é a única maneira de saber o futuro? Não, tem outra:
"...para um ser hipotético que vivesse além do espaço e do tempo e contemplasse o espaço-tempo, a linha de universo de cada partícula estaria completamente desenhada, representando o movimento em sua totalidade (passado, presente e futuro). Em imagens simples, a inclusão do tempo na geometria do movimento transforma o filme do movimento numa fotografia estática de idêntico conteúdo." O Tempo na Física, Revista USP N.3, Henrique Fleming.
Suponhamos que o átomo seja realmente intrinsecamente aleatório. Como se daria o livre-arbítrio? Nossas escolhas dependeriam de um sorteio atômico interno? Minha
hipótese é que em parte sim. Eu estava tentando imaginar como isso ocorreria quando me veio à mente que nossas várias possibilidades de escolha poderiam ser "sorteadas" na mente num tempo curtíssimo e submetidas à razão e à vontade para que estas decidam se a acatam ou não. Isso é perfeitamente plausível. Dependendo da eficiência do sorteio, todas as possibilidades podem ser pensadas e uma escolhida (a decisão de não escolher, lembremos, também é possível).
Uma segunda pergunta me ocorreu: será que parte de nossa "inteligência", a habilidade pensar em várias possibilidades e escolher a melhor, a correta, tem haver com a eficiência e velocidade com que nosso sistema cerebral é capaz de sortear possibilidades? Será que aquela idéia que veio do nada é explicada por um sorteio acertado e súbito nos átomos que compõe as sinapses dos neurônios? Me parece razoavelmente coerente. Se o livre-arbítrio e as idéias seguem uma lógica similar a esta, Deus pregou uma peça em todos nós. Ele vê o futuro porque está fora do tempo, nós (e o diabo) só podemos dar palpites de probabilidade (o diabo melhor que nós). Mas enfim, estou só especulando...